O fenômeno Holocausto foi conseqüência direta do “progresso civilizador” apresentado pela modernidade e sua racionalidade instrumental pela qual a sociedade é vista como objeto a ser eficazmente administrado, melhorado, controlado, dominado e refeito. Como o pensamento forte, da metanarrativa da Modernidade e o idealismo totalizador da realidade conseguiram moldar a desumanização do “Outro”, concebendo com “perfeição” o fenômeno Holocausto?
Com o Iluminismo, foi entronizada uma nova divindade, a Natureza, junto com a legitimação da ciência como seu único culto ortodoxo a dos cientistas como seus profetas e sacerdotes. Tudo, em princípio, fora aberto à investigação objetiva; tudo podia em princípio ser conhecido de forma confiável e verdadeiro. A verdade, a bondade e a beleza, aquilo que é e o que devia ser, tudo torna-se objeto observação sistemática e precisa. Por outro lado, só podiam legitimar-se pelo conhecimento preciso que resultaria de tal observação.
Da forma em que foi moldada pelo Iluminismo, a atividade científica era marcada por uma "tentativa de determinar o lugar exato do homem na natureza através da observação, mensurações e comparações entre grupos de homens e animais" e da "crença na unidade do corpo e da mente". Isso "supostamente se expressava de forma tangível, física, que podia ser medida e observada".
A partir do Iluminismo o mundo moderno se caracterizou por uma posição ativa, planejada, em relação á natureza e a si mesmo. A ciência não devia ser praticada por si mesma; passou a ser vista, antes e acima de tudo, como um instrumento de poder que capacita seu detentor a melhorar a realidade, a moldá-la de acordo com os projetos e interesses humanos e a contribuir para o seu auto-aperfeiçoamento.
A jardinagem e a medicina davam os arquétipos da postura construtiva, enquanto a normalidade, a saúde e o saneamento forneciam as arquimetáforas para as tarefas e estratégias humanas na condução dos negócios humanos. A existência e a coexistência humanas viraram objeto de planejamento e administração; como plantas num jardim ou um organismo vivo, não podiam ser abandonados á própria conta, do contrário seriam infestadas de ervas daninhas ou destruídas por tecido cancerígeno.
A jardinagem e a medicina são formas funcionalmente distintas da mesma atividade de separar elementos úteis destinados a viver e prosperar, isolando-os de elementos perigosos e mórbidos que devem ser exterminados.
Na modernidade o serviço público infundiu nas outras hierarquias seu planejamento seguro e de seu pormenor a burocracia organizada. Do exército a máquina de destruição adquiriu sua precisão militar, sua disciplina e insensibilidade. A influência da indústria se fez sentir na grande ênfase dada à contabilidade, à economia e à preservação de recursos, assim como à eficiência industrial dos centros de extermínio. Por fim, as ideologias da modernidade, em especial lugar o movimento Nazista deram a todo o aparelho um idealismo, um senso de missão e uma noção de construção da historia para atingir o determinado progresso da civilização.
As instituições responsáveis pelo Holocausto, mesmo consideradas criminosas, não eram em nenhum sentido patológicas ou anormais. As pessoas que tiveram ações diretas com a Endlösung (Solução Final) tampouco se desviavam dos padrões estabelecidos de normalidade. Não eram nem anormalmente sádicos e nem anormalmente fanáticos.
Através da sociedade organizada, da pré-ocupação autenticamente racional, pela burocracia fiel a sua forma e propósito, que foi possível a “Solução Final”. Pela cultura burocrática que capacita a ver a sociedade como objeto de administração, como uma coleção de tantos “problemas” a resolver, como a natureza a ser controlada, dominada e melhorada ou refeita, como um alvo legítimo para o planejamento social e no geral como um jardim a ser projetado e mantido à força na forma planejada. Foi a própria atmosfera em que a idéia do Holocausto pôde ser concebida, desenvolvida lentamente, mas de forma consistente e levada até as últimas conseqüências.
Diego Losekam da Cunha
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